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Aos membros da Associação Internacional dos Trabalhadores na Europa e nos Estados Unidos

sábado 14 de Março de 2009, por Robert Paris

Aos membros da Associação Internacional dos Trabalhadores na Europa e nos Estados Unidos

Na Mensagem Inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores, de Novembro de 1864, dizíamos:

«Se a emancipação das classes operárias requer o seu concurso fraterno, como é que irão cumprir essa grande missão com uma política externa que persegue objectivos criminosos, joga com preconceitos nacionais e dissipa em guerras piratas o sangue e o tesouro do povo?»

Definíamos com estas palavras a política externa pretendida pela Internacional:

«Reivindicar as simples leis da moral e da justiça, que deveriam governar as relações dos indivíduos privados, como as leis supremas do comércio das nações.»(1*)

Não é de admirar que Louis Bonaparte, que usurpou o seu poder pela exploração da guerra de classes em França e o perpetuou através de guerras externas periódicas, tenha tratado a Internacional, desde o começo, como um perigoso inimigo. Na véspera do plebiscito[N135], ordenou uma batida contra os membros dos Comités Administrativos da Associação Internacional dos Trabalhadores por toda a França, em Paris, Lyon, Rouen, Marselha, Brest, etc, a pretexto de que a Internacional seria uma sociedade secreta envolvida numa conjura para o seu assassínio, pretexto que logo depois foi posto a nu pelos seus próprios juizes como completamente absurdo. Qual foi o crime real das secções francesas da Internacional? Disseram pública e vigorosamente ao povo francês que votar o plebiscito era votar o despotismo interno e a guerra externa. E foi de facto obra delas ter-se a classe operária levantado como um só homem para rejeitar o plebiscito em todas as grandes cidades, em todos os centros industriais da França. Infelizmente, a balança foi desequilibrada pela pesada ignorância dos distritos rurais. As Bolsas, os Ministérios, as classes dominantes e a imprensa da Europa celebraram o plebiscito como uma assinalável vitória do Imperador francês sobre a classe operária francesa; e foi o sinal para o assassínio, não de um indivíduo mas de nações.

A conjura de guerra, de Julho de 1870[N136], é apenas uma edição corrigida do coup d’ état(2*) de Dezembro de 1851[N129]. A coisa pareceu à primeira vista tão absurda que a França não queria acreditar que fosse mesmo a sério. Preferiu acreditar no deputado(3*) que denunciou o discurso ministerial de guerra como uma simples manobra bolsista. Quando a 15 de Julho, por fim, a guerra foi oficialmente anunciada ao Corps législatif(4*), toda a oposição recusou votar os subsídios preliminares, mesmo Thiers a estigmatizou como «detestável»; todos os jornais independentes de Paris a condenaram e, coisa de admirar, a imprensa de província juntou-se-lhes quase unanimemente.

Entretanto, os membros parisienses da Internacional tinham de novo metido mãos à obra. No Réveil[N137] de 12 de Julho publicavam o seu manifesto «Aos operários de todas as nações», de que extraímos os seguintes breves passos:

«Uma vez mais», diziam eles, «a pretexto de equilíbrio europeu e de honra nacional, a paz do mundo está ameaçada pelas ambições políticas. Trabalhadores da França, da Alemanha, da Espanha, unamos as nossas vozes num mesmo grito de reprovação!... A guerra por uma questão de preponderância ou de dinastia só pode ser, aos olhos dos trabalhadores, uma loucura criminosa. Em resposta às proclamações belicosas dos que se isentam do "imposto do sangue" e encontram nas desgraças públicas uma fonte de novas especulações, protestamos, nós, que necessitamos de paz, de trabalho e de liberdade!... Irmãos da Alemanha! As nossas divisões só resultariam no triunfo completo do despotismo em ambos os lados do Reno... Operários de todos os países! Aconteça o que acontecer, de momento, aos nossos esforços comuns, nós, os membros da Associação Internacional dos Trabalhadores, que não conhecemos fronteiras, endereçamo-vos, como penhor de uma solidariedade indissolúvel, os votos e a saudação dos operários de França!»

A este manifesto da nossa secção de Paris seguiram-se numerosas mensagens semelhantes, de que apenas podemos citar, aqui, a declaração de Neuilly-sur-Seine publicada na Marseillaise[N138] de 22 de Julho:

«A guerra é justa? Não! A guerra é nacional? Não! Ela é puramente dinástica. Em nome da humanidade, da democracia e dos verdadeiros interesses da França, aderimos completa e energicamente ao protesto da Internacional contra a guerra!»

Estes protestos expressavam os verdadeiros sentimentos do povo trabalhador francês, como logo o mostrou um curioso incidente. Tendo o bando do 10 de Dezembro[N139], inicialmente organizado sob a presidência de Louis Bonaparte, sido disfarçado com blusas [de operários] e largado nas ruas de Paris para executar aí as contorsões da febre guerreira, os verdadeiros operários dos subúrbios responderam com tão esmagadoras demonstrações públicas de paz, que Piétri, o prefeito de polícia, considerou prudente pôr termo imediato a toda e qualquer política de rua, a pretexto de que o verdadeiro povo de Paris havia dado suficiente expressão ao seu patriotismo contido e ao seu exuberante entusiasmo de guerra.

Quaisquer que possam ser os incidentes da guerra de Louis Bonaparte com a Prússia, o dobre de finados do segundo Império já soou em Paris. Ele acabará como começou, por uma paródia. Mas não esqueçamos que foram os governos e as classes dominantes da Europa que habilitaram Louis Bonaparte a representar, durante dezoito anos, a farsa feroz do Império restaurado.

Do lado alemão, a guerra é uma guerra de defesa. Mas quem colocou a Alemanha na necessidade de se defender? Quem habilitou Louis Bonaparte a conduzir a guerra contra ela? A Prússia! Foi Bismarck quem conspirou com esse mesmo Louis Bonaparte no propósito de esmagar a oposição popular interna e anexar a Alemanha à dinastia dos Hohenzollern. Se a batalha de Sadowa[N107] tivesse sido perdida em vez de ganha, os batalhões franceses teriam inundado a Alemanha como aliados da Prússia. Imaginou a Prússia um só instante, depois da sua vitória, opor uma Alemanha livre a uma França escravizada? Muito pelo contrário. Ao mesmo tempo que preservava cuidadosamente todas as belezas nativas do seu velho sistema, ainda lhe juntava todos os truques do segundo Império, o seu despotismo efectivo e o seu democratismo simulado, as suas mistificações políticas e as suas intrujices financeiras, as suas frases pomposas e as suas artes vulgares de prestidigitador. O regime bonapartista, que até então só florescia num lado do Reno, tinha conseguido assim o seu equivalente no outro. De um tal estado de coisas, que poderia resultar senão a guerra?

Se a classe operária alemã permitir que a presente guerra perca o seu carácter estritamente defensivo e degenere numa guerra contra o povo francês, então a vitória ou a derrota serão igualmente desastrosas. Todas as desgraças que se abateram sobre a Alemanha depois da sua guerra de independência reviverão com intensidade acumulada.

Os princípios da Internacional, no entanto, estão demasiado divulgados e demasiado enraizados entre a classe operária alemã para que se receie um desfecho tão triste. As vozes dos operários franceses encontraram eco na Alemanha. Um comício de massas de operários, realizado em Braunschweig, a 16 de Junho, exprimiu a sua plena concordância com o manifesto de Paris, rejeitou a ideia de antagonismo nacional contra a França e concluiu as suas resoluções com estas palavras:

«Somos adversários de todas as guerras, mas, antes de tudo, das guerras dinásticas... Com pena e dor profundas vemo-nos forçados a entrar numa guerra defensiva como um mal inevitável; mas apelamos, ao mesmo tempo, a toda a classe operária pensante, para que torne impossível a repetição de uma tão monstruosa desgraça social, reivindicando para os próprios povos o poder de decidir sobre a guerra e a paz e de os tornar, assim, senhores dos seus próprios destinos.»

Em Chemnitz, uma assembleia de delegados, representando 50 000 operários saxões, aprovou por unanimidade a seguinte resolução:

«Em nome da democracia alemã e, designadamente, dos operários do Partido Social-Democrata, declaramos que a presente guerra é exclusivamente dinástica... Tomamos com alegria a mão fraterna que nos estendem os operários franceses... Tendo presente a palavra de ordem da Associação Internacional dos Trabalhadores: "Proletários de todos os países, uni-vos!", não esqueceremos que os operários de todos os países são nossos amigos e os déspotas de todos os países nossos inimigos.»

A secção de Berlim da Internacional também respondeu ao manifesto de Paris:

«Associamo-nos de corpo e alma ao vosso protesto... Prometemos solenemente que nem o som da trombeta nem o troar do canhão, nem a vitória nem a derrota nos hão-de afastar da nossa obra comum de união dos operários em todos os países.»

Que assim seja!

Em pano de fundo a esta luta suicida espreita a figura tenebrosa da Rússia. É um mau presságio que o sinal para a presente guerra tenha sido dado no momento em que o governo moscovita tinha precisamente completado as suas vias-férreas estratégicas e estava já a concentrar tropas na direcção do Prut(5*). Qualquer simpatia que os alemães pudessem reclamar, com razão, numa guerra de defesa contra a agressão bonapartista, perdê-la-iam imediatamente se permitissem que o governo prussiano apelasse para a ajuda dos cossacos ou a aceitasse. Lembrem-se eles de que após a sua guerra de independência contra o primeiro Napoleão a Alemanha ficou prostrada, por gerações, aos pés do tsar.

A classe operária inglesa estende a mão da camaradagem ao povo trabalhador francês e alemão. Ela está profundamente convencida de que, seja qual for o curso que a monstruosa guerra iminente venha a tomar, a aliança das classes operárias de todos os países acabará por liquidar a guerra.

O próprio facto de que enquanto a França oficial e a Alemanha oficial se precipitam numa luta fratricida, os operários trocam mensagens de paz e boa vontade — este grande facto, sem paralelo na história do passado, abre a perspectiva de um futuro mais luminoso. Ele prova que, em contraste com a velha sociedade, com as suas desgraças económicas e o seu delírio político, vai nascendo uma sociedade nova, cujo governo internacional será a Paz, porque o seu governante nacional será por toda a parte o mesmo — o Trabalho! A pioneira desta nova sociedade é a Associação Internacional dos Trabalhadores.

256, High Holborn, London, Western Central, 23 de Julho de 1870.

Notas de rodapé:

(1*) Ver Mensagem Inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores. (Nota da edição portuguesa.)

(2*) Em francês no texto: golpe de Estado. (Nota da edição portuguesa.)

(3*) Jules Favre.

(4*) Em francês no texto: Corpo legislativo. (Nota da edição portuguesa.)

(5*) Afluente da margem esquerda do rio Danúbio, que percorre territórios actuais da Polónia, da Moldávia soviética e da Roménia. (Nota da edição portuguesa.)

Notas de fim de tomo:

[N107] A batalha de Sadowa teve lugar a 3 de Julho de 1866, na Boémia. Foi a batalha decisiva da guerra austro-prussiana de 1866, que terminou com a vitória da Prússia sobre a Áustria.

[N129] Trata-se do golpe de Estado realizado por Louis Bonaparte em 2 de Dezembro de 1851 e que marcou o início do regime bonapartista do Segundo Império.

[N134] A Primeira Mensagem sobre a atitude da Internacional em relação à guerra franco-prussiana, escrita por Marx por encargo do Conselho Geral imediatamente após o início da guerra, e também a Segunda Mensagem, escrita por ele em Setembro de 1870, exprimem a posição da classe operária em relação ao militarismo e à guerra, a luta de Marx e Engels contra as guerras de conquista, pela aplicação dos princípios do internacionalismo proletário. Fundamentando de modo convincente as principais teses da doutrina marxista sobre as causas sociais das guerras de rapina, desencadeadas no interesse das classes dominantes, Marx mostra que as guerras de conquista têm também como fim esmagar o movimento revolucionário do proletariado. Marx sublinha em particular a unidade de interesses entre os operários franceses e alemães e apela para que desenvolvam uma luta conjunta contra a política de conquista das classes dirigentes de ambos os países.

[N135] O plebiscito foi organizado por Napoleão III em Maio de 1870, pretensamente para que as massas populares manifestassem a sua posição em relação ao império. As questões colocadas à votação estavam formuladas de tal modo que não era possível desaprovar a política do Segundo Império sem exprimir uma opinião contrária a todas as reformas democráticas. As secções da I Internacional em França desmascararam esta manobra demagógica e propuseram aos seus membros que se abstivessem da votação. Na véspera do plebiscito os membros da Federação de Paris foram presos sob a acusação de conspirarem para matar Napoleão III; a acusação foi utilizada pelo governo para organizar uma vasta campanha de perseguições contra os membros da Internacional em diferentes cidades da França. No julgamento dos membros da Federação de Paris, que decorreu de 22 de Junho a 5 de Julho de 1870, foi completamente demonstrada a falsidade da acusação de conspiração; no entanto vários membros da Internacional foram condenados a penas de prisão apenas por pertencerem à Associação Internacional dos Trabalhadores. As perseguições à Internacional em França provocaram protestos maciços por parte da classe operária.

[N136] A 19 de Julho de 1870 começou a guerra franco-prussiana.

[N137] Le Réveil (O Despertar): jornal francês, órgão dos republicanos de esquerda; publicou-se em Paris de Julho de 1868 a Janeiro de 1871, sob a direcção de Louis Charles Delescluze. O jornal publicou documentos da Internacional e materiais sobre o movimento operário.

[N138] La Marseillaise (A Marselhesa): jornal diário francês, órgão dos republicanos de esquerda; publicou-se em Paris de Dezembro de 1869 a Setembro de 1870. Publicava materiais sobre a actividade da Internacional e sobre o movimento operário.

[N139] Trata-se da Sociedade do 10 de Dezembro, sociedade bonapartista secreta, composta principalmente por elementos desclassificados, por aventureiros políticos, por membros da camarilha militar, etc; os seus membros contribuíram para a eleição de Louis Bonaparte para presidente da República Francesa, em 10 de Dezembro de 1848 (donde a designação da sociedade).

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