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Para o Quarto Aniversário da Revolução de Outubro V. I. Lénine
sábado 14 de Março de 2009, por
Para o Quarto Aniversário da Revolução de Outubro
V. I. Lénine
14 de Outubro de 1921
Aproxima-se o quarto aniversário do 25 de Outubro (7 de Novembro).
Quanto mais se afasta de nós esse grande dia, mais claro se torna o significado da revolução proletária na Rússia e mais profundamente reflectimos também sobre a experiência prática do nosso trabalho, tomada no seu conjunto.
Esse significado e essa experiência poderiam expor-se muito brevemente — e, naturalmente, de forma muito incompleta e imprecisa — da seguinte maneira.
A tarefa imediata e directa da revolução na Rússia era uma tarefa democrático-burguesa: derrubar os restos do medievalismo, varrê-los definitivamente, limpar a Rússia dessa barbárie, dessa vergonha, desse enorme entrave para toda a cultura e todo o progresso no nosso país. E orgulhamo-nos justamente de ter feito essa limpeza com muito mais decisão, rapidez, audácia, êxito, amplitude e profundidade, do ponto de vista da influência sobre as massas do povo, sobre o grosso dessas massas, do que a grande revolução francesa há mais de 125 anos.
Tanto os anarquistas como os democratas pequeno-burgueses (isto é, os mencheviques e os socialistas-revolucionários como representantes russos deste tipo social internacional) disseram e dizem uma incrível quantidade de coisas confusas sobre a questão da relação entre a revolução democrático—burguesa e a socialista (isto é, proletária). Os quatro últimos anos confirmaram plenamente a justeza da nossa interpretação do marxismo sobre este ponto, do nosso modo de aproveitar a experiência das revoluções anteriores. Levámos, como ninguém, a revolução democrático-burguesa até ao fim. É de modo perfeitamente consciente, firme e inflexível que avançamos para a revolução socialista, sabendo que ela não está separada da revolução democrático-burguesa por uma muralha da China, sabendo que só a luta decidirá em que medida conseguiremos (em última análise) avançar, que parte da nossa tarefa infinitamente grande cumpriremos, que parte das nossas vitórias consolidaremos. O tempo o dirá. Mas vemos já agora que fizemos uma obra gigantesca — tendo em conta que se trata de um pais arruinado e atrasado — na transformação socialista da sociedade.
Mas terminemos com o que se refere ao conteúdo democrático-burguês da nossa revolução. Os marxistas devem compreender o que isto significa. Para o explicar, tomemos alguns exemplos eloquentes.
O conteúdo democrático-burguês da revolução significa depuração das relações (ordem, instituições) sociais de um país do medievalismo, da servidão, do feudalismo.
Quais eram as principais manifestações, sobrevivências e vestígios do regime de servidão na Rússia em 1917? A monarquia, o sistema dos estados sociais, as formas de propriedade da terra e o usufruto da terra, a situação da mulher, a religião, a opressão das nacionalidades. Tomai qualquer destes «estábulos de Augias» — que, diga-se de passagem, todos os Estados avançados deixaram em grande parte por acabar de limpar ao realizarem as suas revoluções democrático-burguesas há 125, 250 ou mais anos (em 1649 na Inglaterra) —, tomai qualquer destes estábulos de Augias: vereis que os limpámos a fundo. Numas dez semanas, de 25 de Outubro (7 de Novembro) de 1917 até à dissolução da constituinte (5 de Janeiro de 1918), fizemos neste domínio mil vezes mais do que os democratas burgueses e liberais (democratas-constitucionalistas) e os democratas pequeno-burgueses (mencheviques e socialistas-revolucionários), durante os oito meses do seu poder.
Esses cobardes, charlatães, Narcisos enfatuados e pequenos Hamlets brandiam uma espada de cartão e nem sequer destruíram a monarquia! Nós deitámos fora todo o lixo monárquico como ninguém o fez. Não deixámos pedra sobre pedra, tijolo sobre tijolo no edifício secular do sistema dos estados sociais (os países mais avançados, como a Inglaterra, a França e a Alemanha não se desembaraçaram ainda dos vestígios do sistema dos estados sociais!). Arrancámos definitivamente as raízes mais profundas do sistema dos estados sociais, a saber: os restos do feudalismo e da servidão na propriedade da terra. «Pode discutir-se» (no estrangeiro há bastantes literatos, democratas-constitucionalistas, mencheviques e socialistas-revolucionários, para se dedicarem a essas discussões) o que resultará «ao fim e ao cabo» das transformações agrárias da Grande Revolução de Outubro. Não estamos dispostos a perder agora tempo nessas discussões, porque é pela luta que resolvemos esta discussão e toda a quantidade de discussões que dela derivam. Mas o que não se pode contestar é o facto de que os democratas pequeno-burgueses estiveram oito meses a «entender-se» com os latifundiários, que conservavam as tradições da servidão, enquanto nós, em algumas semanas, varremos por completo da face da terra russa esses latifundiários e todas as suas tradições.
Tomai a religião, ou a falta de direitos da mulher, ou a opressão e a desigualdade de direitos das nacionalidades não russas. Tudo isso são questões da revolução democrático-burguesa. Os democratas pequeno-burgueses vulgares passaram oito meses a falar disso; não há nem um dos Países mais avançados do mundo onde estas questões tenham sido resolvidas até ao fim no sentido democrático-burguês. No nosso país, a legislação da Revolução de Outubro resolveu-os até ao fim. Lutámos e continuamos a lutar seriamente contra a religião. Demos a todas as nacionalidades não russas as suas próprias repúblicas ou regiões autónomas. Na Rússia não existe já essa vileza, essa infâmia e ignomínia que é a falta de direitos ou a restrição dos direitos da mulher, sobrevivência indigna da servidão e do medievalismo, renovada em todos os países do globo terrestre, sem uma só excepção, pela burguesia egoísta e pela pequena-burguesia obtusa e assustada.
Tudo isto é o conteúdo da revolução democrático-burguesa. Há cento e cinquenta e duzentos e cinquenta anos os chefes mais avançados dessa revolução (dessas revoluções, se falarmos de cada variedade nacional de um tipo comum) prometeram aos povos libertar a humanidade dos privilégios medievais, da desigualdade da mulher, das vantagens concedidas pelo Estado a uma ou outra religião (ou à «ideia de religião», à «religiosidade» em geral), da desigualdade de direitos das nacionalidades. Prometeram-no e não o cumpriram. E não podiam cumprir, porque os impedia o «respeito» . . . pela «sacrossanta propriedade privada». Na nossa revolução proletária não houve esse maldito «respeito» por esse três vezes maldito medievalismo e por essa «sacrossanta propriedade privada».
Mas para consolidar para os povos da Rússia as conquistas da revolução democrático-burguesa, nós devíamos ir mais longe, e fomos mais longe. Resolvemos as questões da revolução democrático-burguesa de passagem, como um «produto acessório» do nosso trabalho principal e verdadeiro, proletário revolucionário, socialista. Sempre dissemos que as reformas são um produto acessório da luta revolucionária de classe. As transformações democrático-burguesas — dissemo-lo e demonstrámo-lo com factos — são um produto acessório da revolução proletária, isto é, socialista. Digamos de passagem que todos os Kautskys, os Hilferdings, os Mártovs, os Tchernovs, os Hillquits, os Longuets os MacDonalds, os Turatis e outros heróis do marxismo «II 1/2» não souberam compreender esta correlação entre a revolução democrático-burguesa e a revolução proletária socialista. A primeira transforma-se na segunda. A segunda resolve de passagem os problemas da primeira. A segunda consolida a obra da primeira. A luta, e só a luta, determina até que ponto a segunda consegue ultrapassar a primeira.
O regime soviético é precisamente uma das confirmações ou manifestações evidentes dessa transformação duma revolução em outra. O regime soviético é o máximo de democracia para os operários e os camponeses e, ao mesmo tempo, significa a ruptura com a democracia burguesa e o aparecimento de um novo tipo de democracia de importância histórica mundial: a democracia proletária ou ditadura do proletariado.
Que os cães e os porcos da moribunda burguesia e da democracia pequeno-burguesa que se arrasta atrás dela nos cubram de maldições, de injúrias e de escárnios pelos insucessos e erros que cometemos ao construir o nosso regime soviético. Nem por um momento esquecemos que, de facto, tivemos e temos ainda muito insucessos e erros. E como havíamos de evitar insucessos e erros numa obra tão nova, nova para toda a história mundial, como é a criação de um tipo de regime estatal ainda desconhecido! Lutaremos sem descanso para corrigir os nossos insucessos e erros, para melhorar a forma como aplicamos os princípios soviéticos, que está ainda longe, muito longe, de ser perfeita. Mas temos o direito de nos orgulharmos e orgulhamo-nos de nos ter cabido a felicidade de iniciar a construção do Estado Soviético, de iniciar assim uma nova época da história universal, a época do domínio duma nova classe, oprimida em todos os países capitalistas e que avança em toda a parte para uma vida nova, para a vitória sobre a burguesia, para a ditadura do proletariado, para a libertação da humanidade do jugo do capital e das guerras imperialistas.
A questão das guerras imperialistas, da política internacional do capital financeiro, política que hoje domina em todo o mundo e que gera inevitavelmente novas guerras imperialistas, que gera inevitavelmente uma intensificação sem precedentes do jugo nacional, da pilhagem, da exploração, do estrangulamento de pequenas nacionalidades, fracas e atrasadas, por um punhado de potências «avançadas», é uma questão que desde 1914 se tornou a pedra angular de toda a política de todos os países do globo terrestre. É uma questão de vida ou de morte para dezenas de milhões de homens. Trata-se da questão de saber se na próxima guerra imperialista, que a burguesia prepara diante dos nossos olhos, que vai surgindo do capitalismo diante dos nossos olhos, morrerão vinte milhões de homens (em vez dos dez milhões que morreram na guerra de 1914-1918 e nas «pequenas» guerras que vieram completá-la e que ainda não terminaram), de saber se nessa futura guerra inevitável (se o capitalismo se mantiver) ficarão mutilados 60 milhões de homens (em vez dos 30 milhões de mutilados de 1914-1918). Também nesta questão a nossa Revolução de Outubro abriu uma nova época da história universal. Os lacaios da burguesia e os seus bajuladores, os socialistas-revolucionários e mencheviques, toda a democracia pequeno-burguesa pretensamente «socialista» de todo o mundo, troçaram da palavra de ordem de «transformação da guerra imperialista em guerra civil». Mas esta palavra de ordem revelou-se a única verdade — desagradável, brutal, nua e cruel, com efeito —, mas a verdade no meio da multidão das mais subtis mentiras chauvinistas e pacifistas. Essas mentiras vão-se desmoronando. Foi desmascarada a Paz de Brest. Cada novo dia desmascara mais implacavelmente o significado e as consequências duma paz ainda pior que a de Brest, a Paz de Versalhes. E perante milhões e milhões de homens que reflectem sobre as causas da guerra de ontem e sobre a guerra iminente de amanhã, ergue-se cada vez mais clara, nítida e inelutavelmente esta terrível verdade: é impossível sair da guerra imperialista e do mundo imperialista que a gera inevitavelmente (se tivéssemos a antiga ortografia eu escreveria aqui as duas palavras mir(1*) em ambos os seus significados), é impossível sair desse inferno a não ser por uma luta bolchevique e por uma revolução bolchevique.
Que a burguesia e os pacifistas, os generais e os pequenos burgueses, os capitalistas e os filisteus, todos os cristãos crentes e todos os cavaleiros das Internacionais II e II 1/2 insultem furiosamente esta revolução. Com nenhumas torrentes de raiva, de calúnias e de mentiras poderão ocultar o facto histórico universal de que, pela primeira vez desde há séculos e milénios, os escravos responderam à guerra entre escravistas proclamando abertamente esta palavra de ordem: transformemos essa guerra entre escravistas pela partilha do saque numa guerra dos escravos de todas as nações contra os escravistas de todas as nações.
Pela primeira vez depois de séculos e milénios, esta palavra de ordem transformou-se de esperança vaga e impotente num programa político claro e preciso, numa luta efectiva de milhões de oprimidos sob a direcção do proletariado, transformou-se na primeira vitória do proletariado, na primeira vitória da causa da supressão das guerras, da causa da aliança dos operários de todos os países, sobre a aliança da burguesia das diversas nações, da burguesia que faz umas vezes a paz e outras a guerra à custa dos escravos do capital, à custa dos operários assalariados, à custa dos camponeses, à custa dos trabalhadores.
Esta primeira vitória não é ainda a vitória definitiva, e a nossa Revolução de Outubro alcançou-a com privações e dificuldades inauditas, com sofrimentos sem precedentes, com uma série de enormes insucessos e erros da nossa parte. Como poderia um povo atrasado conseguir vencer sem insucessos e sem erros as guerras imperialistas dos países mais poderosos e avançados do globo terrestre? Não receamos reconhecer os nossos erros e encará-los-emos serenamente para aprender a corrigi-los. Mas os factos continuam a ser factos: pela primeira vez depois de séculos e milénios, a promessa de «responder» à guerra entre escravistas com a revolução dos escravos contra toda a espécie de escravistas foi cumprida até ao fim..... e é cumprida apesar de todas as dificuldades.
Nós começámos esta obra. Quando precisamente, em que prazo os proletários de qual nação culminarão esta obra — é uma questão não essencial. O essencial é que se quebrou o gelo, que se abriu caminho, que se indicou a via.
Continuai a vossa hipocrisia, senhores capitalistas de todos os países, que «defendeis a pátria» japonesa da americana, a americana da japonesa, a francesa da inglesa, etc! Continuai a «escamotear» a questão dos meios de luta contra as guerras imperialistas com novos «manifestos de Basileia» (segundo o modelo do Manifesto de Basileia de 1912), senhores cavaleiros das Internacionais II e II 1/2 e todos os pequenos burgueses e filisteus pacifistas de todo o mundo! A primeira revolução bolchevique arrancou a guerra imperialista, ao mundo imperialista, a primeira centena de milhões de homens da terra. As revoluções seguintes arrancarão a essas guerras e a esse mundo toda a humanidade.
A última tarefa — e a mais importante, e a mais difícil e a menos acabada — é a construção económica, o lançamento dos alicerces económicos do edifício novo, socialista, em lugar do edifício feudal destruído e do edifício capitalista semidestruído. É nessa tarefa, a mais importante e a mais difícil, que temos sofrido mais insucessos e cometido mais erros. Como se poderia começar sem insucessos e sem erros uma obra tão nova para todo o mundo? Mas começámo-la. E continuamo-la. Precisamente agora, com a nossa «nova política económica», corrigimos toda uma série dos nossos erros e aprendemos a prosseguir sem esses erros a construção do edifício socialista num país de pequenos camponeses.
As dificuldades são imensas. Estamos habituados a lutar contra dificuldades imensas. Por alguma razão os nossos inimigos nos chamaram «firmes como a rocha» e representantes de uma política de «partir ossos». Mas aprendemos também — pelo menos aprendemos até certo ponto — outra arte necessária na revolução: a flexibilidade, o saber mudar de táctica rápida e bruscamente, partindo das mudanças verificadas nas condições objectivas, e escolhendo outro caminho para os nossos objectivos se o caminho anterior se revelou inconveniente, impossível, para um período de tempo determinado.
Contávamos, levados por uma onda de entusiasmo, depois de despertar no povo um entusiasmo a princípio político e depois militar, contávamos realizar directamente, na base desse entusiasmo, tarefas económicas tão grandes (como as políticas, como as militares). Contávamos — ou talvez seja mais justo dizer: supúnhamos, sem ter calculado o suficiente — que com imposições directas do Estado proletário poderíamos organizar de maneira comunista, num país de pequenos camponeses, a produção estatal e a distribuição estatal, dos produtos. A vida mostrou o nosso erro. Foram necessárias diversas etapas transitórias, o capitalismo de Estado e o socialismo, para preparar — preparar com o trabalho de longos anos — a passagem ao comunismo. Não directamente na base do entusiasmo, mas com a ajuda do entusiasmo, entusiasmo gerado pela grande revolução, na base do interesse pessoal, na base do incentivo pessoal, na base do cálculo económico, trabalhai para construir primeiro sólidas pontes, que conduzam num país de pequenos camponeses ao socialismo através do capitalismo de Estado. De outro modo não vos aproximareis do comunismo, de outro modo não levareis ao comunismo dezenas e dezenas de milhões de homens. Eis o que nos disse a vida. Eis o que nos disse o curso objectivo do desenvolvimento da revolução.
E nós, que em três ou quatro anos aprendemos um pouco a fazer viragens bruscas (quando se exige uma viragem brusca), pusemo-nos com zelo, atenção e afinco (embora ainda com insuficiente zelo, insuficiente atenção e insuficiente afinco) a estudar uma nova viragem, a «nova política económica». O Estado proletário deve tornar-se um «patrão» prudente, diligente e hábil, um consciencioso comerciante por grosso — de outro modo não pode pôr economicamente de pé um país de pequenos camponeses; agora, nas condições actuais, ao lado do Ocidente capitalista (ainda capitalista), não há outra passagem para o comunismo. O comerciante por grosso parece um tipo económico tão afastado do comunismo como o céu da terra. Mas esta é precisamente uma das contradições que na vida real conduzem da pequena exploração camponesa ao socialismo, através do capitalismo de Estado. O incentivo pessoal eleva a produção; nós necessitamos, antes de mais nada e a todo o custo, de aumentar a produção. O comércio por grosso une economicamente milhões de pequenos camponeses, incentivando-os, ligando-os, conduzindo-os à etapa seguinte: às diversas formas de ligação e de união na própria produção. Iniciámos já a necessária transformação da nossa política económica. Neste domínio temos já alguns êxitos, é certo que pequenos, parciais, mas indubitáveis. Estamos já a terminar, neste domínio da nova «ciência», o ano preparatório. Estudando com firmeza e perseverança, verificando com a experiência prática cada um dos nossos passos, não receando refazer mais de uma vez aquilo que começámos nem corrigir os nossos erros, examinando atentamente o seu significado, passaremos também nos anos seguintes. Faremos todo o «curso», embora as circunstâncias da economia mundial e da política mundial tenham tornado isto mais longo e difícil do que teríamos desejado. Custe o que custar, por muito penoso que sejam os sofrimentos do período de transição, as calamidades, a fome, a ruína, não nos deixaremos abater e levaremos a nossa obra até ao final vitorioso.